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A inconstitucionalidade das cobranças de ISS sobre o reembolso do rateio de despesas

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Recentemente verificamos Municípios realizando cobranças de imposto sobre serviço, sobre reembolso de valores. A própria jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, entende, equivocadamente, pela incidência do ISS sobre os reembolsos oriundos de contratos de compartilhamento de custos e despesas[1].

Entretanto, a Constituição Federal limita a materialidade de todos os tributos, indicando o aspecto material da hipótese de incidência de cada um. Ao dividir a competência para instituição de tributos, no tocante ao imposto sobre serviços, reservou aos Municípios a faculdade da criação, consoante previsão no artigo 156, inciso III[2].

A Regra-Matriz de Incidência Tributária do ISS traz os seguintes elementos para sua configuração: a prestação, por pessoa física ou jurídica e sob regime de direito privado, de serviços de qualquer natureza, excetuando-se os serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação.

Antes de mais nada, cumpre observar que a Regra-Matriz de Incidência Tributária trata-se de uma norma jurídica de comportamento que em sua estrutura associa um ato ou fato lícito de possível ocorrência (hipótese), a uma relação jurídica que irá obrigar determinado sujeito passivo a realizar o recolhimento de certa quantia aos cofres públicos (consequente).[3] E toda norma jurídica, para ser considerada válida, deve estar em sintonia com a Constituição Federal.  

Ocorre que, por muitas vezes, as legislações municipais ou as autoridades fazendárias ignoram esse requisito, incluindo na base de cálculo do ISS todo e qualquer ingresso de recursos como se prestação de serviço fosse, inclusive a título de reembolso. Em outras palavras, não observam os elementos da Regra-Matriz de Incidência Tributária do imposto em testilha. 

Levando a base de cálculo do ISS elementos que não possuam relação com a prestação do serviço realizado, não há como identificar a constitucionalidade do tributo, sendo descaracterizado o seu perfil constitucional.

Ou seja, a hipótese de incidência do imposto em comento só ocorre quando os serviços prestados são realizados com o intuito de remuneração, sendo o elemento finalidade lucrativa essencial na prestação de serviços. Com base nessa premissa, as despesas rateadas entre empresas do mesmo grupo econômico não devem integrar a base de cálculo do referido tributo, uma vez que não configuram prestação de serviços.

Tendo em vista que o referido imposto, como o próprio nome já diz, é sobre serviços, sua base de cálculo só poderá englobar o preço do serviço prestado a terceiros, tendo como fato gerador, as prestações constantes das listas anexas ao Decreto n. 406/68 e à Lei Complementar n. 116/2003. É o que dispõe o artigo 7º da Lei Complementar n.º 116/2003: “A base de cálculo do imposto é o preço do serviço”.

Isto é, o valor correspondente à recuperação das despesas administrativas entre empresas, não pode ser considerado preço do serviço prestado.   Reembolso, por si só, não se confunde com pagamento por prestação de serviços, vez que não há inclusão de parcela de lucro, mas sim restituição de valores adiantados.

Nesse sentido, as cobranças municipais de ISS com base em reembolso de despesas, que se tratam mero ingresso financeiro para recompor despesa, são inconstitucionais.

Os valores que não geram acréscimo patrimonial e apenas recompõe a parte do patrimônio do prestador como reembolso de despesas, não são considerados como preço do serviço e, consequentemente, não podem ser considerados como base de cálculo do ISS.

Nesse sentido, aduz o autor José Eduardo Soares de Mello[4]:

[…] os contribuintes dos tributos citados (dentre eles o ISS) têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus livros fiscais, sem representar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso dos montantes a ele repassados para satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para pagamento, aos efetivos prestadores, por serviços por eles apenas intermediados. [grifo nosso].


As legislações municipais que dispõe que reembolsos, reajustamentos ou dispêndios de qualquer natureza não podem ser excluídos da base de cálculo, desbordam dos limites constitucionais e da própria Lei Complementar de regência da matéria, a LC n.º 116/2003, vez que não há norma que disponha nesse sentido.

No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial do Estado do Rio Grande do Sul, que entende ser inviável a hipótese de que o reembolso possa vir a configurar fato gerador do imposto municipal versado, pois notório é o seu descabimento por não se tratar, sequer, de receita, não integrando, ademais, o preço do serviço cobrado pelo sujeito passivo do ISS.[5]

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou sobre o tema, entendendo que reembolso de despesas não é tributável pelo ISS, sendo inviável que o reembolso possa vir a configurar fato gerador do ISS[6].

Assim, a análise da legislação e jurisprudência permite afirmar que somente os valores que acrescem ao patrimônio, é que podem ser considerados como base de cálculo do ISS. Nesse sentido, os valores recebidos a título de reembolso apenas recompõem o patrimônio, não podendo ser considerados receita nova, muito menos dar ensejo à incidência do ISS, tratando-se de uma prática ilegal dos Municípios que assim fizerem. 

Por Jussandra Hickmann Andraschko e Ana Cláudia Karg.

Artigo publicano no Site ConJur em 23 de dezembro de 2021 


[1] TJSP – Apel / Reexame 0041867-48.2009.8.26.0554 – 14ª Câmara de Direito Público – j. 31/7/2014 – julgado por Maurício Fiorito – DJe 1/8/2014.

[2] Art. 156 CF. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

[3] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 96.

[4] Aspectos Teóricos e Práticos do ISS. 2. Ed. São Paulo: Dialética.

[5] Apelação Cível, Nº 70059600403, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício, Julgado em: 05-11-2014).

[6] REsp nº 411.580/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 16/12/02 e REsp nº 224.813/SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJde 28/02/00.

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